Seria uma noite silenciosa, não fossem os passos desesperados de alguém
em fuga, e sua respiração ofegante. A distância um clarão rubro de chamas
consome aquilo que até alguns minutos atrás era uma vila. A jovem corre, ela
ignora a dor que atravessa seus músculos, seu instinto de sobrevivência fala
mais alto do que qualquer incômodo, então ela corre. A cada passo pode-se ouvir
o som das folhas secas sendo esmagadas sob seus pés e os pequenos galhos que se
chocam contra seu corpo em movimento, deixando pequenos cortes em sua pele
clara. Súbito ouve-se um som seco, como de o de pequenas pedras sendo batidas
umas contra as outras, ela não tem coragem de olhar.
A criatura em seu frenesi insano pode sentir o cheiro dos vivos, de suas
presas. Então se põe a perseguir aquilo que em sua mente bestial é uma
deliciosa refeição. Seu corpo em boa parte é apenas ossos, e suas passadas
secas reverberam contra o chão batido como um tambor funesto. Floresta adentro,
farejando, perseguindo, caçando. Um salto no ar e então está feito.
Mais um grito ecoa na noite. Um grito de mais uma vida que escorre
dolorosamente para fora de seu corpo mortal naquela noite. Ela pode sentir os
braços mortos vivos da criatura ao redor do seu peito, a prendendo em um abraço
de morte, e pode sentir as suas presas. Dilacerando sua carne enquanto tudo que
ela pode fazer é implorar a luz sagrada que tenha piedade de sua alma. Não
aguentando mais a agonia ela se entrega, não consegue mais lutar. Então antes
de desvanecer ela vê aquilo que parecem ser vultos vindo em sua direção, depois
disso apenas um ponto de luz muito distante, e então nada.
Em um estalo de confusão ela recobra consciência. E mais uma vez o
desespero se apodera dela ao perceber que está trancada em algum tipo de caixa
de madeira, ela tenta forçar a saída, mas a caixa parece firmemente trancada. E
quando o mundo não faz mais sentido ela fez a única coisa lógica. Sucumbir a
loucura. Gritando de forma insana e golpeando com toda a força que podia ela
destroçou a tampa da caixa, terra desabou sobre ela, mas aquela altura era
irrelevante, com um vigor que não imaginava ter cavou uma saída para fora
daquele buraco, para fora de sua tumba.
Observou em volta com seus olhos vidrados. Tudo que ela conhecia, seus
amigos, sua família, seu lar, sua vida. Agora tudo não passava de escombros
chamuscados e cadáveres sem vida. E sem saber o que fazer ela simplesmente
começou a andar. Sem saber para onde estava indo, com a mente completamente
vazia de significado ou sentido. E por dias ela andou sem encontrar uma única
alma vivente. Até que em algum momento ela pode perceber o som de viajantes por
entre os arbustos. Ao se aproximar para observar ficou tão aterrorizada que seu
grito pode ser ouvido ao longe.
Eles estavam ali! Bem diante dela! Aqueles seres abomináveis que fizeram
isso com ela. Suas faces descarnadas e mortas haviam voltado para terminar o
que começaram, mas ela não permitiria isso de maneira alguma, mesmo que
morresse não seria sem luta, não dessa vez.
-Eu vou destruir todos vocês malditos! Eu vou matar vocês, de novo, de
novo e de novo! – Bradava ela saltando sobre eles com um grande pedaço de galho
grosso em mãos. Era uma luta perdida, ela não era guerreira, mas naquele
momento nada disso importava, somente sua fúria cega, ela iria esmagar suas
cabeças, uma a uma.
Mas o golpe foi bloqueado por um grande objeto redondo que um deles
trazia consigo. Ela foi ao chão com a potencia do recuo, e antes que percebesse
já havia outros três a segurando com força, com aqueles braços mortos. Suas
vozes emitiam sons incompreensíveis e ela tentava com todas as suas forças
libertar-se, mas eles eram fortes demais, aqueles braços mortos.
Outros dos monstros pareceu pegar alguma coisa brilhante, e com um gesto
firme colocou o objeto bem diante da face dela. Então de um momento para outro
sua alma se tornou fria como o gelo, a paralisando instantaneamente. Ao ver a
própria imagem refletida no cristal ela teve o maior choque de sua existência.
-Alegre-se minha pequena, você agora é uma de nós. Você agora está entre
os esquecidos.
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